Não devemos ser recipientes vazios.
É interessante a maneira a qual estamos presos a nossos corpos. Apesar de soar esquisita esta frase, não é, de modo algum, algo fora da realidade ou que exija de nós uma compreensão filosófica e/ou teológica.
Quem nunca disse a si mesmo, ou a outra pessoa, que a mente pensa e racionaliza uma ação e o corpo não responde?
O clássico exemplo disto são os atletas de alto nível, pois, com o passar do tempo, os reflexos vão ficando mais lentos, as dores se acumulando, a parte fisiológica não se recompõe adequadamente e cada vez mais são necessárias intervenções para manter o nível competitivo.
O processo natural de envelhecer vai modificando nossos corpos e nossa racionalidade, as vezes, demora pra perceber estas modificações.
Não é diferente com nossa espiritualidade.
Ao passo que o tempo avança e vivenciamos as diversas experiências do cotidiano, nossa fé é estimulada ou desestimulada de acordo com nossos atos. Então, se temos uma fé infantil até hoje é porque ela não é exercitada.
Tal qual um atleta de alto rendimento, a fé deve ser praticada e passar pelas provas que lhe são devidas. Obviamente que não se trata de competição com os nossos irmãos, mas sim, uma luta por sobrevivência interna.
Isso mesmo. Uma luta.
Dentro de nós há uma dualidade imensa que gera conflitos muito intensos os quais uma fé ingênua não sobrevive. O que chamo de fé ingênua, é aquela fé de conveniência ou de troca, isto é, temos fé porque Deus vai nos dar as coisas e não porque queremos nos aproximar Dele pelo que Ele É.
Uma fé assim não sobrevive, pois é imediata suas necessidades.
Ao passo que guardar uma fé legitima e verdadeira exige um esforço, devemos educar e treinar nossa mente e corpo para cuidar desta de modo que possa amadurecer com o tempo e se tornar uma fé robusta, sólida e ligada à Videira. Ora, se a fé pressupõe tal cuidado e tende a crescer, ela não se limita ao corpo ou a qualquer outro lugar que queiramos guardar.
A fé tende a transbordar naturalmente.
E transbordar não significa somente manifestações, milagres ou profecias, ou seja, não são os grandes eventos extraordinários a nossa realidade. O que extravasa qualquer limite é justamente a simplicidade de estar mesmo não tendo motivos para estar, é amar querendo não amar, é permanecer querendo ir embora, é ter vários lugares para ir e escolher ir onde o Senhor Se encontra.
E assim vamos exalando fé, por testemunhar, mesmo quando tudo está contra a isto. Uma fé ingênua não suporta este tipo de embate ou como diriam “estes desertos da alma”. Igual a um atleta que educa o corpo para lidar com situações de extremo esforço, a fé deve ser capaz de superar esta aridez e, para que ela vença, é preciso transbordar os limites os quais está encerrada.
Então vamos percebendo que nosso lugar não é aqui. Iremos compreender que esta vida é mais do que passageira, ela é um mero limite o qual a fé precisa superar, como um vaso completamente fechado que contém um líquido e pressiona as paredes que, quando não puder mais se conter em totalidade, isto é, quando a pressão exceder a resistência das paredes, irá rompê-las e neste momento seremos chamados por Deus e lá não haverá mais necessidade de acreditar.
Sabemos, porém, que nosso corpo “tem um prazo de validade” e que pode acontecer de deixarmos este recipiente vazio que, quando se quebrar, não terá nada para se derramar e se apresentar a Deus.
Este é o desafio do Católico. Romper estes limites pela fé e não aguardar o vaso quebrar. Assim, quando chegar o momento derradeiro, nossa fé irá romper os limites e teremos o que apresentar à Ele e será mais do que meros rendimentos de um talento num banco. Será uma fé viva cheia de obras, pois fez de Deus o motivo para estar quando não havia motivos para isto, O amou quando não queria amar o próximo, escolheu fazer companhia a Ele enquanto se sentia só.
Em resumo, se Deus não for o motivo inicial, o durante e o final, estamos apenas aguardando o vaso de nossas vidas quebrar com um grande vazio interior.
Que tenhamos uma fé que possa preencher, exalar e romper os limites de nossa existência, para que neste momento, tenhamos o que apresentar a Ele. Que em vida possamos sentir os benefícios desta fé, não como quem esperar receber algo em troca, mas como quem sabe que Deus não desampara aqueles que depositam Nele sua esperança. Que possamos, com a Graça de Deus, guardar nossa fé.
De um católico qualquer,
Gabriel Bondioli Piterutti