“Saber amar Jesus Abandonado é saber amar Jesus em cada pessoa abandonada”
[Renata Neli, 02/04/2023 – Redação CatolicaWeb] No dia em que a Igreja celebra o Domingo de Ramos e o início da Semana Santa, Papa Francisco nos fala sobre um tema bastante abordado ao longo da semana: o abandono de Jesus e a sua presença em tantos irmãos que sofrem.
No início de seu discurso, o Pontífice nos lembra os diversos tipos de sofrimentos que Jesus passou por nós:
“Os sofrimentos de Jesus foram muitos, e cada vez que ouvimos a história da paixão eles entram em nós. Eram sofrimentos corporais: pensemos nas bofetadas, nos espancamentos, nas chicotadas, na coroa de espinhos, nos suplícios da cruz. Houve sofrimentos da alma: a traição de Judas, as negações de Pedro, as condenações religiosas e civis, o escárnio dos guardas, os insultos sob a cruz, a rejeição de muitos, o fracasso de tudo, o abandono dos discípulos . E, no entanto, em meio a toda essa dor, uma certeza permaneceu para Jesus: a proximidade do Pai. Mas agora o impensável acontece; antes de morrer clama: «Meu Deus, Meu Deus, porque me abandonaste?». O abandono de Jesus.“
Jesus foi ao extremo do sofrimento por todos nós, e Ele está sempre ao nosso lado mesmo quando somos tomados por abandono e sofrimentos. Assim nos diz o Papa:
“E por que chegou tão longe? Para nós, não há outra resposta. Para nós. Irmãos e irmãs, hoje isso não é um espetáculo. Todos, ouvindo o abandono de Jesus, digamos cada um a si mesmo: por mim. Esse abandono é o preço que ele pagou por mim. Ele foi solidário com cada um de nós ao extremo, para estar conosco o tempo todo. Experimentou o abandono para não nos deixar reféns da desolação e ficar ao nosso lado para sempre. Ele fez isso por mim, por você, porque quando eu, você ou qualquer outra pessoa se vê de costas para a parede, perdido em um beco sem saída, mergulhado no abismo do abandono, sugado pelo vórtice de muitos ‘porquês’ sem resposta, há esperança. Ele, esperança, para você, para mim. Não é o fim, porque Jesus estava lá e agora está com você: Ele, que sofreu a distância do abandono para acolher todas as nossas distâncias em seu amor. Para que cada um de nós possa dizer: nas minhas quedas – cada um de nós já caiu muitas vezes -, na minha desolação, quando me sinto traído, ou traí outros, quando me sinto rejeitado ou descartei outros, quando me sinto abandonado ou abandonaram outros, pensamos que Ele foi abandonado, traído, descartado. E lá encontramos Ele. Quando me sinto mal e perdido, quando não aguento mais, Ele está comigo; em meus muitos porquês sem resposta, Ele está lá.“
Nosso Pontífice nos fala que, mesmo em seu abandono e sofrimento, Jesus nos perdoa, nos ama e confia em nós. Da mesma forma, devemos nós confiar em Deus:
“Assim o Senhor nos salva, de dentro do nosso ‘porquê’. A partir daí abre-se a esperança que não desilude. Com efeito, na cruz, experimentando o extremo abandono, não se deixa desesperar – este é o limite – mas reza e confia-se. Ele grita o seu ‘porquê’ com as palavras de um salmo (22,2) e entrega-se nas mãos do Pai, mesmo que se sinta distante (cf. Lc 23,46) ou não o ouça porque se encontra abandonado . No abandono ele confia. No abandono continua a amar os seus, que o deixaram sozinho. No abandono, ele perdoa seus crucificadores (v. 34). Aqui o abismo de nossos muitos males é imerso em um amor maior, para que cada separação nossa se transforme em comunhão.“
O Pontífice nos lembra sobre tantos “cristos abandonados”, pessoas e povos excluídos, rejeitados e discriminados, e a necessidade de conseguirmos enxergar o Cristo nestes rostos:
“Irmãos e irmãs, um amor assim, todo por nós, até o fim, o amor de Jesus é capaz de transformar nossos corações de pedra em corações de carne. É um amor de piedade, de ternura, de compaixão. O estilo de Deus é este: proximidade, compaixão e ternura. Deus é assim. Cristo Abandonado move-nos a procurá-lo e a amá-lo nos abandonados. Porque neles não estão só os necessitados, mas está Ele, Jesus Abandonado, Aquele que nos salvou descendo ao mais profundo da nossa condição humana. Ele está com cada um deles, abandonado até a morte… Penso naquele homem dito ‘de rua’, um alemão, que morreu sob a colunata, sozinho, abandonado. Ele é Jesus para cada um de nós. Muitos precisam da nossa proximidade, muitos abandonados. Também eu preciso que Jesus me acaricie e se aproxime de mim, e para isso vou encontrá-lo nos abandonados, nos solitários. Ele quer que cuidemos dos irmãos e irmãs que mais se assemelham a ele, Ele no ato extremo da dor e da solidão. Hoje, queridos irmãos e irmãs, existem muitos ‘Cristos abandonados’. Há povos inteiros explorados e deixados à própria sorte; há pobres que moram nas encruzilhadas de nossas ruas e cujos olhos não temos coragem de cruzar; há migrantes que já não são rostos, mas números; há reclusos rejeitados, pessoas catalogadas como problema. Mas também há muitos Cristos abandonados, invisíveis, escondidos, que são descartados com luvas brancas: crianças ainda não nascidas, idosos deixados sozinhos – pode ser seu pai, sua mãe talvez, avô, avó, abandonados em instituições geriátricas -, doentes que não visitados, deficientes ignorados, jovens que sentem um grande vazio por dentro sem que ninguém realmente ouça seu grito de dor. E eles não encontram outro caminho senão o suicídio. Os abandonados de hoje. Cristos de hoje.“
De acordo com o Pontífice, cada um destes irmãos abandonados deve nos fazer discípulos dos desamparados:
“Jesus Abandonado pede-nos que tenhamos olhos e coração para os abandonados. Para nós, discípulos dos Desamparados, ninguém pode ser marginalizado, ninguém pode ser abandonado a si mesmo; porque, recordemos, os rejeitados e excluídos são ícones vivos de Cristo, recordam-nos o seu amor louco, o seu abandono que nos salva de toda a solidão e desolação. Irmãos e irmãs, peçamos hoje esta graça: saber amar Jesus Abandonado é saber amar Jesus em cada pessoa abandonada. Pedimos a graça de poder ver, de poder reconhecer o Senhor que ainda clama neles. Não deixemos que a sua voz se perca no silêncio ensurdecedor da indiferença. Não fomos deixados sozinhos por Deus; vamos cuidar de quem está sozinho. Então, só então, faremos nossos os desejos e os sentimentos d’Aquele que ‘se esvaziou’ por nós (Fl 2,7). Esvaziou-se totalmente para nós.“
Depois do Ângelus
Após o Ângelus, ao saudar e agradecer a presença de todos, nosso Pontífice abençoou a Caravana da Paz – grupo italiano que partiu em missão para a Ucrânia:
“Dirijo uma bênção à Caravana da Paz que nos últimos dias partiu da Itália para a Ucrânia, promovida por diversas Associações: Papa João XXIII, FOCSIV, Pro Civitate Christiana, Pax Christi e outras. Juntamente com as necessidades básicas, eles aproximam o povo italiano do povo ucraniano martirizado e hoje oferecem ramos de oliveira, símbolo da paz de Cristo. Unimos este gesto à oração, que será mais intensa durante os dias da Semana Santa.“
E, encerrando, o Papa nos convida a viver a Semana Santa acompanhando Jesus com fé e amor, a exemplo de Nossa Senhora.
“Irmãos e irmãs, com esta celebração entramos na Semana Santa. Convido-vos a vivê-la como nos ensina a tradição do santo povo fiel de Deus, isto é, acompanhando o Senhor Jesus com fé e amor. Aprendemos com a nossa Mãe, a Virgem Maria: ela seguia o seu Filho com a intimidade do seu coração, era uma só alma com Ele e, embora não compreendesse tudo, juntamente com Ele abandonava-se totalmente à vontade de Deus, o Pai. Que Nossa Senhora nos ajude a ficar perto de Jesus presente nas pessoas sofredoras, descartadas, abandonadas. Que Nossa Senhora nos conduza pela mão a Jesus presente neste povo. A todos, um bom caminho para a Páscoa.“