Episódio 5: …Mas eu quero?
Na nossa vida, é bem comum dizermos “se Deus quiser” para alguma situação de impasse, necessidade, espera e tantas outras em que nos parece incerto o bom desfecho do presente problema.
Usamos essa frase quase que como um filho que pediu para um amigo falar para sua mãe se ele poderia dormir na casa dele, pois um pedido feito pelo amigo soa diferente do pedido feito pelo próprio filho. É, literalmente, colocar a pessoa contra a parede para que ela tome uma decisão naquele momento.
Às vezes funciona, pois a mãe pode ficar com receio de falar “não” e ser vista como a “mãe chata” na visão do amigo, mas pode acontecer o “não” ou, talvez, um “vou pensar e depois te falo.” que é melhor que um “não” e gera uma expectativa para um possível sim.
Repare que a expressão “se Deus quiser” é sempre utilizada em um diálogo com outra pessoa. Imagine que Deus é essa “mãe”, você o “filho” e a outra pessoa o “amigo” e dizemos “se Deus quiser tal coisa vai acontecer” e, de certa forma, não há problema em dizer isto, mas qual é intenção dessa frase? O que queremos dizer com “se Deus quiser tal coisa vai acontecer”?
Quando a gente quer algo, estamos expressando uma vontade, isto é, um desejo, um anseio ou um impulso de obter êxito em alguma situação. Por exemplo, se eu digo “estou com vontade de comer macarrão” eu procuro formas de satisfazer essa minha vontade, eu posso fazer o macarrão ou ir a algum lugar que venda esta refeição.
Agora se digo “se Deus quiser” estou atribuindo o êxito ou não de tal situação também à vontade de Deus e, desta forma, é como se duas pessoas estivessem trabalhando juntas para conseguir executar o tal impasse.
Voltando ao exemplo do filho que quer dormir na casa do amigo, se a mãe permitir (ou seja, se ela quiser) e o filho quiser, então o desejo se realiza, mas se um dos dois não quiser a situação não ocorre.
Será que a gente diz “se Deus quiser” apenas para atribuir a Deus a nossa responsabilidade?
Porque se a frase só é dita em uma situação com outra pessoa, será que eu quero o querer de Deus nessa situação? Será que eu realmente quero a vontade de Deus na minha vida?
E aqui temos alguns pontos interessantes:
1 – Eu estou dizendo a expressão apenas por dizer.
Neste caso, estamos dando aquela resposta ou exclamação automática para uma situação. A gente não se importa verdadeiramente com a vontade de Deus. Poderíamos até dizer que estamos falando o nome de Deus em vão, porque para nós tanto faz.
2 – Eu estou dizendo a expressão apenas porque estou com a outra pessoa e assim “pressiono” Deus.
Aqui também não nos importamos com a vontade de Deus, estamos dizendo porque temos essa lógica de que estamos ali em dois e o amigo também quer que eu tenha êxito na situação, então estamos pedindo a Deus para que aconteça o que nós queremos.
3 – Eu estou dizendo a expressão porque confio na vontade de Deus.
Se eu confio na vontade de Deus, tanto o sucesso ou fracasso do impasse será bem aceito por mim, porque Deus sabe de fato o que é bom e o que é ruim para minha vida.
Jesus nos ensinou isso da seguinte maneira:
“Eis como deveis rezar: PAI NOSSO, que estais no céu, santificado seja o vosso nome; venha a nós o vosso Reino; seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia nos dai hoje; perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos que nos ofenderam; e não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal.” (Mateus 6, 9 – 13)
A expressão “se Deus quiser” é, na verdade, “seja feita a vossa vontade”. Veja que, esta oração, nós podemos faze-la sozinhos ou com outras pessoas e qual será nossa intenção quando rezamos isso? Se for apenas por dizer, estamos na situação 1, se for porque estamos com outras pessoas, estamos na situação 2 e se for porque realmente queremos que a vontade de Deus se realize, estamos na situação 3.
Fato é que nós não sabemos o que pedir e muito menos o que queremos, pois nossas necessidades são voláteis e mudam muito depressa. Como estamos presos ao “tempo presente” e, geralmente nossas vontades estão no “tempo futuro”, nós facilmente preferimos atribuir a responsabilidade do sucesso a Deus sem saber se aquilo é bom de fato para nós e, ainda, nos acomodamos esperando que Deus faça até a nossa parte.
E, quando não acontece o que queríamos, nos frustramos, porque era para Deus ter feito por nós. Mesmo que tivéssemos feito tudo certo e não ocorre o sucesso desejado, atribuímos culpa a Deus e, em alguns casos, nos revoltamos com Ele. Não percebemos que, por Ele não estar preso ao tempo, Ele possui a visão do todo e sabe aonde este caminho vai nos conduzir. Nós brincamos com a vontade de Deus como se ela fosse um desejo qualquer.
A vontade de Deus é a nossa Salvação.
E, a partir deste entendimento que Deus anseia desesperadamente a nossa Salvação, somos capazes de aceitar (não de maneira passiva) o que vida nos manda. Somos capazes de agradecer pelo dia de calor que fez ao invés de reclamar do suor que ele causa, somos capazes de agradecer pela chuva que refresca, molha a terra e limpa o ar ao invés de reclamar da roupa que molhou, somos capazes de aceitar as dificuldades que uma doença nos impõe, pois confiamos que Deus pode tirar disto uma Graça ou uma Conversão.
Que em nossas dificuldades e necessidades, nós possamos dizer “se Deus quiser” como quem confia verdadeiramente na vontade Dele. Que digamos isto com o coração livre de condições de sucesso. Que queiramos a Sua vontade, pois, desejar isso, é desejar a própria salvação.
De um católico qualquer,
Gabriel Bondioli Piterutti
A foto que escolhi: Aceitar a vontade de Deus até o fim, pois é através dela que vem a minha Salvação.