Episódio 8: O coração de pedra e o mal que ele faz.
Nossos dias estão muito pesados por conta do atual momento que vivemos. São vidas perdidas, violência, problemas de relacionamento familiar e profissional, um persistente cansaço mental e físico que não consome apenas nosso corpo, pois já afetou a nossa sensibilidade.
Não é mais raro viver uma “vida de fachada”. Acho que todos nós já estamos querendo tirar coisas boas de onde não há bem. Talvez eu esteja tentando fazer isso no momento em que escrevo isso, mas acho que existe uma diferença e espero conseguir transparecer isso nas palavras.
E começo com algumas perguntas: quando foi a última vez, por exemplo, que uma música arrepiou os pelos do seu braço? Ou então, quando foi a última vez que você riu até chorar com uma piada ou vídeo engraçado? Quando foi a última vez que você se permitiu descansar?
Nossa vida é tão corrida que estamos vivendo para pagar boletos e isso é muito errado. Os boletos devem servir apenas para nos lembrar que vivemos coisas boas com este dinheiro investido.
E não estou dizendo que devemos ser irresponsáveis em gastar o que não temos ou ostentar alguma coisa. Quero dizer que estamos nos prendendo a data de vencimento ao invés de aproveitar o durante que estamos vivendo. Estamos num período de crise, onde muitos não possuem o que comer ou vestir e o que estamos fazendo em relação a isto?
Não podemos abraçar o mundo e isso é bem verdade, mas será que não é possível doar um quilo de alimento para alguém? Ou então algum produto de higiene pessoal? Se não podemos fazer isso, será que ao menos podemos escutar o que meu próximo tem a dizer para desabafar um pouco e demonstrar uma verdadeira empatia? Será que não posso ser mais educado no trato com as pessoas para que se sintam respeitadas?
Do mesmo jeito que uma música pode arrepiar nosso braço e nos causar emoção, nossas palavras e gestos podem aquecer o coração de alguém. Os profissionais da saúde, por exemplo, estão extremamente sobrecarregados e já parou pra pensar que ali existe um ser humano que também precisa pagar suas contas, descansar e também ter seus momentos felizes? Quantos destes profissionais não tem quem os escute ou ajude quando estão no seu limite.
Na sua rua pode ser que more uma pessoa que está trabalhando desde o inicio da pandemia e já viu pessoas, colegas de trabalho morrer e, mesmo com medo, continuou a se dedicar para tentar dar assistência aos doentes. Poderíamos, no mínimo, sermos gratos a essas pessoas ou perguntar se eles precisam de alguma coisa ou somente conversar. Essas pessoas estão sendo postas no seu limite e ainda vemos quem diga que isso é normal.
Banalizamos o sofrimento dos outros até que ele chegue até nós e, ainda assim, podemos ser soberbos o suficiente para não reconhecer que estamos errados.
Podemos continuar a imaginar, não somente os profissionais de saúde, mas tantos outros que tiveram seus salários reduzidos, vivendo incertezas, podendo perder a casa por não pagar o aluguel, não ter o que comer porque precisa de uma internet melhor e precisa pagar mais por isso porque se não perde o emprego.
Que espécie somos que não conseguimos abrir mão de um pouco de nós mesmos para que outros tenham o básico? Nosso coração é tão duro assim?
Se eu não posso ajudar com dinheiro, comida ou ouvir alguém, eu posso pelo menos REZAR, pois é algo que não é preciso conta bancária, ser dono de empresa de alimentos ou ser formado em psicologia. A oração é gratuita e até isso negamos aos outros.
É como diz a música:
“Às vezes no meu peito bate um coração de pedra, magoado, frio, sem vida, aqui dentro ele me aperta. Não quer saber de amar e nem sabe perdoar, quer tudo e não sabe partilhar.” (Música: Conheço um Coração – Compositor: Padre Joãozinho)
Nosso coração está tão duro que não somos capazes de nos sensibilizar e não somos capazes de agradecer o que temos. Meu atual momento me permite escrever sobre estas coisas e é uma maneira de me sentir útil, se isso vai trazer algum bem a alguém, louvado seja Deus, é o que posso fazer hoje.
Esperamos condições perfeitas para fazer o bem, enquanto isso, as situações de desespero continuam ocorrendo. Não se trata de sair ajudando por aí, e sim de olhar pra si mesmo e ver o que é possível fazer hoje.
Se não consigo olhar pra dentro de mim mesmo e tirar algum bem para alguém, eu já estou morto. Porque a vida só tem sentido se é para fazer o bem ao próximo. Não é possível viver neste mundo somente se agradando e também não é possível viver somente ajudando os outros, devemos compreender que precisamos doar e receber, mas que nós, cristãos católicos, somos muito mais felizes doando do que recebendo.
Não é novidade que algumas pessoas que tem “tudo” cometem suicídio ou estão infelizes, porque mesmo que tenham tudo do bom e do melhor o coração está duro, não é capaz de produzir vida para os outros ou para si mesmo. Falta a tal da Caridade que superar qualquer carisma e bem, está faltando este Sopro de Vida em nossos ossos secos. Só conseguimos doar o que temos e me nego a acreditar que somos apenas um amontoado de boletos e corpos que não conseguem receber e doar Vida.
Que eu não seja um canal morto e sim um canal de Vida para os outros, pois assim eu vou ter Vida passando por mim também. Que eu possa ajudar com o que tenho e, mesmo que eu não tenha algo a oferecer, que eu possa entregar ao Senhor este meu “nada”, pois Ele pode produzir a partir disto. Que eu não seja um corpo sem Vida que só quer retardar seu apodrecimento. Que eu me abra à Caridade e possa assim receber um coração de carne, vivo e que pode receber e doar Vida. Que meu coração seja manso e humilde igual ao do Bom Mestre.
De um católico qualquer,
Gabriel Bondioli Piterutti
A foto que escolhi: Jesus manso e humilde de coração, fazei o nosso coração semelhante ao vosso!